A actual administração da Sonangol, gerida pela filha do presidente, Isabel dos Santos, fez circular uma comunicação interna em que anuncia que vai punir severamente os funcionários que venham a ser responsabilizados por fugas de informação acerca da gestão da petrolífera. Inicialmente anunciada como transparente e rigorosa, a realidade desta nova administração tem-se revelado precisamente o oposto.
Por Rafael Marques de Morais (*)
Com efeito, a administradora executiva da Sonangol Eunice de Carvalho reuniu, a 20 e 21 de Fevereiro passado, com vários directores, chefes de departamento e de secção, para inquirir sobre a fuga de uma informação interna sobre o pagamento da creche do filho do administrador César Paxi.
Segundo informações recolhidas pelo Maka Angola, a administradora Eunice de Carvalho comunicou aos presentes que o Departamento de Tecnologia e Informação está a fazer o rastreamento das comunicações dos funcionários para descobrir quem tornou públicos os emails que denunciavam a situação. E exigiu a todos os presentes que “confessassem” quem fora o responsável pela fuga.
Ante o silêncio dos presentes, a administradora terá humilhado os subordinados, classificando-os como sendo “piores que os meus filhos, que pelo menos dizem sim ou não”.
Eunice de Carvalho informou, então, que a administração de Isabel dos Santos, a PCA da Sonangol, não mantém a confiança em vários directores e outros responsáveis, os quais deverão ser afastados dos seus cargos. A referida administradora é responsável, ao nível do conselho de administração, pelo projecto de transformação da Sonangol, a Direcção dos Recursos Humanos e o Gabinete de Comunicação e Imagem.
A 15 de Fevereiro, o administrador da Sonangol para área jurídica, César Paxi, enviou um email ao administrador para a área de finanças, Sarju Raikundala, a exigir o pagamento de propinas em atraso da creche do filho. Em resposta, também por email, a directora interina de finanças, Vanessa Oliveira, explicou que tinha assinado “alguns pagamentos respeitantes à creche”, enquanto Sarju Raikundala exigia “maior celeridade da equipa no processamento [do pagamento da creche]”. Entretanto, a chefe de Departamento de Tesouro, Suana Bravo da Costa, explicou, igualmente por email, que “estes processos são críticos e elaborados com a celeridade que se impõe. Os mesmos foram enviados para assinatura nos dias 06 e 07/02/17”.
Na sequência da troca de correspondência, Vanessa Oliveira informou o seu superior Sarju Raikundala de que os processos tinham sido encaminhados para a sua assinatura nos dias 6 e 7. Este reagiu perguntando: “Mas onde estão os processos?”, e argumentou que não tivera qualquer pasta pendente para assinatura, empurrando a responsabilidade para a direcção de finanças, que acusa de falta de capacidade de decisão.
O facto de ser necessária a sua assinatura até para o pagamento de propinas de uma creche demonstra bem o nível concentração de poderes nas mãos do homem de confiança de Isabel dos Santos, Sarju Raikundala. Por outro lado, vários analistas consideram que a sua exigência de autorizar todos os pagamentos, incluindo para comprar sanduíches, é ilícita, uma vez que Raikundala é administrador não executivo.
Outro elemento causador de desconforto entre a administração da Sonangol é o facto de esta ter prometido transparência e contenção de custos. Os salários dos administradores não são pagos pela direcção de finanças, responsável pelos salários de todos os outros trabalhadores do Grupo Sonangol. Os seus salários são mantidos como uma espécie de “segredo de Estado”.
Mais de 80 funcionários da Sonangol, segundo soube o Maka Angola, tiveram acesso ao email sobre a creche, por via das suas direcções, departamentos e secções.
Participaram da reunião de “caça às bruxas” o director executivo e representante do administrador Sarju Raikundala, Alcides Andrade; a directora interina de Finanças, Vanessa Oliveira; a chefe de Departamento de Tesouro, Suana Celina Bravo da Costa; o chefe de Departamento de Supervisão e Controlo, Sebastião Boa; a chefe de Departamento de Contas a Receber, Maria de Fátima; a chefe de Secção de Controlo de Pagamentos, Eunice Leite; a chefe de secção de Tesouraria, Carla Alberto; o chefe de Secção de Pagamentos, Samuel Pequenino; e o técnico de finanças, Bernardo Francisco.
A luta pelo secretismo na Sonangol, liderada por Eunice de Carvalho, apenas poderá agravar as críticas à actual administração. Tivesse ignorado a fuga da correspondência sobre a creche, teriam persistido dúvidas nas redes sociais sobre a sua autenticidade. Eunice de Carvalho mais não fez do que confirmar a veracidade da informação e atrair mais atenção negativa para a Sonangol.
Agora se pergunta: O que aconteceu à prometida transparência?
(*) Maka Angola
Foto: Folha 8